BBB 21: escolha dos participantes negros visou estimular o conflito ideológico e de personalidade

Henrique Oliveira
5 min readFeb 10, 2021

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O Big Brother Brasil 2021 embarcou na proposta de investir na representatividade negra, a atual edição tem o maior número de participantes negros, contava até o domingo (08/02/2021) com 9 pessoas, quando Lucas Penteado resolveu abandonar o reality.

Porém, após 3 semanas do início do programa, muito se discute sobre qual foi a intenção da Rede Globo — uma emissora fundamental para o embranquecimento do país nos meios de comunicação de massa - em romper o círculo vicioso racial e acabar colocando um número significativo de “brothers” negros. Estaria a Rede Globo pregando alguma peça, criando uma armadilha para as discussões sobre relações raciais, antirracismo e as políticas de reparação histórica?.

Esse debate ganhou mais força, principalmente após as falas e atitudes de participantes como a cantora Karol Conká, a psicóloga Lumena Aleluia, o humorista Nego Di, o rapper Projota, o ator e poeta Lucas Penteado, que protagonizaram momentos e debates que acirraram as opiniões do público, sobretudo nas redes sociais.

Ao meu ver, supor que a Rede Globo selecionou esses participantes para deslegitimar a “pauta racial”, não passa de uma mera teoria da conspiração e a “mamadeira de piroca” dos antirracistas. Se formos analisar os perfis dos “brothers” selecionados pela produção do programa, veremos que a Globo quis trazer uma maior diversidade ideológica e de personalidade, já que, a população negra é plural. Nem todas as pessoas negras estão organizadas no Movimento Negro e defendem suas pautas, apesar de se beneficiarem das conquistas alcançadas, a exemplo da política de cotas raciais nas universidades e concursos públicos.

De um lado havia Lucas Penteado, jovem negro que atuou nas ocupações promovidas pelo movimento estudantil de São Paulo, contra o fechamento de escolas e a reorganização das turmas durante o governo Geraldo Alckmin (PSDB), em 2015. Lucas Penteado era presidente do Grêmio da Escola Caetano de Campos e protagonizou o documentário “Espero Tua (R)evolta”.

Do outro lado tem Nego Di (Dilson Neto), o humorista gaúcho ficou conhecido após disparar áudios no whatsapp conhecidos como “dia de maldade”e por suas piadas esdrúxulas. Nego Di, que faz show de stand up, já teve passagem pelas rádios gaúchas Mix FM e Atlântida FM. As piadas de Nego Di são classificadas como “politicamente incorretas” ou até mesmo ofensivas contra grupos “minoritários”, reforçando preconceitos e discriminação. Inclusive, o próprio Nego Di assumiu “ser uma pessoa racista, machista, homofóbica e gordófobica, mas que queria mudar”, por causa dos seus comentários ele chegou a ser demitido da Atlântida FM.

A expectativa do programa era justamente opor visões ideológicas distintas, possibilitando que Lucas x Nego Di viessem a ter divergências sobre política. Isso ocorreu quando Nego Di numa discussão com Lucas Penteado, disse que ele fazia revolução “defendendo vagabundo”, ao se referir a atuação de Lucas no movimento estudantil e como antirracista. Não a toa, Lucas respondeu dizendo que percebeu qual tipo de público aquele discurso de Nego Di queria alcançar; os conservadores.

Entretanto, essa diferença política entre Lucas e Nego Di não os impediu de iniciarem o Big Brother fazendo provas e ganhando- as juntos, dando a entender que poderia surgir uma dupla meio que improvável e indesejada, para quem torcia para Lucas e apostava na sua coerência. No podcast “Calma, Gente Horrível”, as participantes discutem como os realitys shows fazem parte de uma indústria cultural do entretenimento voltada para produzir emoções, sentimentos de compaixão, identificação, repulsa e necessidades, existe uma roteirização desde as escolhas dos participantes aos filtros de edição realizados pela produção.

Portanto, os atritos entre Lucas Penteado e Nego Di eram partes de um objetivo do programa, os dois foram selecionados para que na convivência, no confinamento, esses conflitos fossem exacerbados ou até mesmo inevitáveis, já que, se conhecia a diferença entre ambas personalidades. A produção cultivou o choque entre os dois jovens negros.

Enquanto Nego Di tinha uma postura de desacreditar a importância da identidade negra quando esta era acionada pelo Lucas Penteado, o mesmo não hesitou em negar a negritude de Gilberto, dizendo que ele não era negro, apenas sujo, reproduzindo um discurso negativo de origem racista contra a pele negra.

A própria saída do Lucas Penteado, do Big Brother teve como ponto alto o conflito entre ele e a psicóloga Lumena, que o acusou de está utilizando a pauta LGBT e Negra para se promover e ganhar apoio do público, após Lucas e Gilberto realizarem o primeiro beijo entre homens da história do programa, desencadeando um questionamento desnecessário e ofensivo sobre a bissexualidade de Lucas. Ao ser entrevistado no programa “Encontro” com Fátima Bernardes, Lucas disse, que a não aceitação entre os semelhantes, o julgamento e não acolhimento de Lumena, foram as gotas d’águas para sua decisão de abandonar o reality.

Lucas e Lumena já haviam protagonizados outras discussões mais acaloradas, e para mim, os embates entre Lucas e Lumena ocorreram por uma disputa sobre protagonismo negro dentro da casa. Isso ficou evidente quando numa das discussões, Lumena falou que “não iria ser palco para Lucas ser Zumbi dos Palmares”. Um indicativo claro, que não iria ter espaço para que houvessem dois participantes defensores da causa antirracista, Lumena demonstrava que não iria ser ofuscada pela tentativa de Lucas de unir as pessoas negras da casa para se defenderem coletivamente no jogo.

O resultado dessa busca por projeção ficou exposta quando de forma errática e até mesmo oportunista, em pleno “Jogo da Discórdia”, Lumena fez uma análise digna de um seminário acadêmico, ao dizer que a relação estabelecida pelos membros do programa no conflito criado de forma gratuita e sem razão por Karol Conká com Carla Diaz, se baseou na capacidade do racismo em produzir empatia com o sofrimento de uma pessoa “fenotipicamente branca” em detrimento do sofrimento de uma mulher negra. Mesmo que toda a crise de ciúmes tenha sido inventada por Karol Conká.

A postura de Lumena com Lucas Penteado, inclusive, criou uma grande frustração no público, ao ponto da sua namorada vim a público dizer que não a reconhecia, devido a cobrança que estava ocorrendo. Pois, a própria Lumena se apresentou enquanto uma psicóloga e militante, mas em nenhum momento teve cuidado com a saúde mental de Lucas, chegando a dizer que a sua “escuta era cara.”

Se Lumena soubesse como seu comportamento e discursos tem sido rechaçados, sobretudo, por pessoas negras e LGBT’s, que ela se propõe a representar, repensaria a estratégia adotada, ou talvez ela seja um estereótipo do sujeito antirracista e feminista que não gostamos de ver, mas que existe por aí.

A relação entre Karol Conká, Lucas Penteado, Lumena, Projota e Nego Di, movimentou essas primeiras semanas do Big Brother, se tornando o grande foco da audiência. E por mais que Lucas tenha sido isolado pela casa, ganhando nos seus últimas dias o acolhimento de Gilberto, o mesmo foi altamente ofendido e excluído pela cantora Karol Conká, levantando o debate sobre tortura psicológica, o que foi determinante para que a cantora se tornasse impopular, respigando em ataques contra o seu filho.

Por isso, é preciso entender quais são os objetivos de programas de entretenimento de massa como o Big Brother, de como a escolha dos participantes obedecem a determinados interesses para poder atrair audiência e investimento de patrocinadores, ao ponto de existir uma fila de empresas querendo anunciar sua marca no horário do reality, que deve ter uma receita de 530 milhões, enquanto vai pagar um prêmio de 1,5 milhão.

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